Entenda o decreto-lei 36/2025 de 28 de março de 2025
- Visconde Cidadania Europeia
- 2 de abr.
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Atualizado: há 3 dias
No dia 28 de março de 2025 foi publicado o decreto 36/2025, de autoria da Presidência dos Conselhos dos Ministros da Itália, que altera de maneira significativa e radical a Lei de Cidadania Italiana até então vigente.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que toda a comunidade e todos os profissionais do ramo foram pegos de surpresa. Nem nas piores teorias poderíamos imaginar uma medida tão violenta, radical e inconstitucional (como iremos demonstrar).
Nesse artigo iremos abordar, nessa ordem:
1) O que é um Decreto-Lei na Itália
2) O que o Decreto 36/2025 diz e como ele impacta o direito dos ítalo-descendentes
3) Teorias de Inconstitucionalidade do Decreto
4) Parecer jurídico e nosso posicionamento neste momento
O que é um Decreto-Lei?
O Decreto-Lei é como uma medida provisória com força de lei, feita pelo poder executivo, que entra em vigor imediatamente após a publicação. Para ser convertido em lei permanente, o decreto precisa ser votado e aprovado pelo Parlamento Italiano dentro do prazo de 60 dias contados da data de publicação. Se isso não acontecer, o decreto perde toda a validade.
No momento da análise e votação (se houver), o Parlamento pode aprovar integralmente as medidas propostas, rejeitar ou alterar o texto antes de aprovar.
Sendo assim, no presente momento, temos que aguardar o prazo legal e a votação do Parlamento para afirmar o que de fato vai mudar. Qualquer afirmação antes disso não passa de mera especulação.
O que o decreto lei 36/2025 diz e como ele impacta o direito dos ítalo-descendentes?
O decreto, se aprovado de forma integral, mudaria drasticamente o direito ao reconhecimento da cidadania italiana. As principais mudanças envolvem a inclusão do novo artigo (3-bis) na atual Lei de Cidadania (Lei 91 de 1992).
Na prática, esse novo artigo cria as seguintes situações:
A partir de 28 de março de 2025, têm direito ao reconhecimento da cidadania italiana apenas aqueles que:
a) São filhos ou netos de italiano(a) nascido(a) na Itália. Observe que aqui o “jus soli” toma lugar do “jus sanguinis”, ou seja, o direito com base no território do nascimento substitui o direito com base no sangue/descendência.
b) São filhos de cidadão italiano que tenha morado ao menos dois anos ininterruptos na Itália antes da data de nascimento da criança. Repare que aqui não importa se o pai/mãe nasceu na Itália; basta ser cidadão italiano reconhecido(a) e ter morado pelo menos dois anos na Itália antes de ter o filho.
Existem três grupos resguardados, aos quais a lei anterior continuará sendo aplicada. São eles:
a) Aqueles que já são cidadãos italianos reconhecidos (esses não perdem o direito já adquirido).
b) Aqueles que já protocolaram o pedido judicial junto ao tribunal italiano até o dia 27 de março de 2025.
c) Aqueles que já apresentaram a documentação comprobatória do direito junto ao consulado ou à comune (vias administrativas) até 27 de março de 2025.
A partir de 28 de março de 2025, aquele que nasceu fora do território italiano e tem outra nacionalidade (como a brasileira, por exemplo), perde o direito de pleitear o reconhecimento da cidadania italiana, a não ser que se enquadre nas novas regras.
Aqueles que ainda estão na fila do consulado e não apresentaram a documentação, e aqueles que ainda não protocolaram o processo na via judicial, estariam excluídos da lista de requerentes aceitos, a não ser que se enquadrem nas novas regras.
E os filhos menores de idade dos cidadãos italianos já reconhecidos, mas que não nasceram na Itália?
De acordo com o texto do decreto, se essas crianças ainda não foram registradas na comune italiana, perdem o direito ao reconhecimento da cidadania italiana (mesmo que os irmãos mais velhos já tenham a cidadania reconhecida).
Naturalização por matrimônio: O assunto não é abordado no atual decreto, mas foi mencionado no discurso de Antonio Tajani na coletiva de imprensa. O que ele disse foi que existe a possibilidade de alteração, exigindo a residência na Itália para fazer a solicitação como cônjuge; mas por ora isso não tem aplicação. A recomendação é que os cônjuges que já têm o nível B1 de italiano (pré-requisito) deem entrada o quanto antes para evitar sofrer as consequências de possíveis alterações na lei.
Teorias de Inconstitucionalidade do decreto
A inconstitucionalidade do decreto está sendo amplamente debatida por advogados, professores e juristas. Vamos elencar aqui alguns dos muitos motivos:
Decretos são medidas cabíveis em situações de urgência e/ou extrema necessidade, como, por exemplo, ameaça à segurança nacional, o que claramente não é o caso, até porque a Lei em questão (Lei 91 de 1992) existe há mais de 30 anos. O caráter de urgência não se sustenta.
De acordo com a lei atual (1992), os descendentes de italianos são considerados italianos desde o nascimento, independentemente de requerimento formal. O processo de reconhecimento de nacionalidade é uma formalidade que tem fins de verificação e não de concessão do direito. Então, o direito já foi adquirido quando você nasceu! Sendo assim, se o decreto for aprovado, ele fere o princípio constitucional da não retroatividade da lei, pois modifica direitos já adquiridos, o que é uma ofensa grave à democracia.
É uma proposta discriminatória que diferencia pessoas que deram entrada no pedido de pessoas que não deram entrada ainda, sem levar em conta o que realmente importa, que é o direito em sua essência e não a data em que foi pleiteado.
Outras teses estão sendo levantadas, estudadas e construídas, todas com fundamentação legal. As sustentações serão fundamentais na luta pela garantia dos direitos de cidadania e para fazer valer o que dispõe a própria Constituição italiana.
Isso quer dizer que, independentemente dos próximos acontecimentos, o assunto não vai se encerrar. Discussões jurídicas, com fundamentos legais, certamente irão acontecer. Por isso, não é hora de desistir.
Parecer jurídico e nosso posicionamento neste momento
A Itália se encontra em um momento político em que o poder executivo é de extrema direita. O poder executivo costuma ter pouco conhecimento da lei, age de forma radical e perigosa para defender suas ideias e não se atenta à própria Constituição ao redigir o decreto.
De quebra, esse posicionamento agrada à maior parte da população italiana e aos órgãos administrativos (como consulados e comunes), que, em sua maioria, são contra as leis de cidadania.
Ser contra o direito à cidadania não é motivo suficiente para derrubá-la. Os insatisfeitos têm seus motivos, com certeza, mas precisam encontrar soluções para melhorar a situação atual sem ferir a Constituição da Itália.
Nos próximos dias, o decreto será votado pelo Parlamento, e acreditamos que ao menos alguma parte do texto será alterada, haja vista as inúmeras infrações à lei constitucional.
Independentemente do que for aprovado, na via judicial qualquer pleito pode ser apresentado, tornando esta via a mais recomendada para os que estão com o direito ameaçado. Qualquer pessoa, representada por um advogado, tem direito de entrar na justiça e pedir o que achar justo. Não existe impedimento de protocolo, e existe chance de êxito.
Já a via administrativa, nesse momento, é recomendável apenas para requerentes que cumprem os pré-requisitos em vigor. Isso porque os consulados e comunes apenas executam a lei vigente, não existindo espaço para interpretação ou argumentação. Pedidos que vão contra a lei, ainda que esta seja inconstitucional, certamente serão indeferidos.
Temos esperança nos juízes, nas Cortes Superiores e no Poder Judiciário como um todo, pois estes sim têm capacidade para interpretar e aplicar as leis, além do dever de decidir de maneira imparcial, aplicando os princípios fundamentais que sustentam a democracia.
No final das contas, se o decreto for aprovado integralmente, o verdadeiro impacto é que, se antes o direito não precisava ser debatido e era bem dizer uma “causa ganha”, agora torna-se discutível e passível de interpretações. Teremos que criar novas teses com embasamento legal e utilizá-las para argumentar, contestar e sustentar nosso direito como ítalo-descendentes.
Tais argumentações estarão sujeitas à interpretação do Poder Judiciário. Como tudo é muito recente (o decreto sequer foi votado), não existem jurisprudências ou precedentes para sabermos qual será o posicionamento do Judiciário, tornando a tentativa, nesse primeiro momento, um pouco mais incerta. Consequentemente, a chance de um processo ir para a segunda instância também é maior.
Não há dúvidas de que o decreto fere a Constituição; por isso, nossa recomendação é que os ítalo-descendentes continuem organizando os seus documentos para que, assim que o decreto for discutido — caso seja aprovado — possamos dar entrada e contra-argumentar qualquer inconstitucionalidade por meio de uma petição inicial bem elaborada.
Não temos interesse em convencer ninguém de nada. Nosso papel é trazer os fatos de uma maneira clara e profissional, munindo o cliente de informações para que ele tome sua decisão de forma consciente, seja lá qual for.
Manteremos vocês informados; estamos comprometidos com a verdade e traremos soluções práticas para cada caso quando for o momento certo. Agora é hora de ter paciência, confiar no nosso trabalho e aguardar. Contamos com a compreensão de todos e estamos à disposição.
Acesse o decreto oficial no link a seguir: https://www.gazzettaufficiale.it/eli/id/2025/03/28/25G00049/SG